terça-feira, 29 de maio de 2018

A vida é extraordinária


R, tem 10 anos, menino, criado em um ambiente totalmente feminino, único homem da casa, cheio daqueles questionamentos de um menino de 10 anos. Está vendo a greve pela tv, já  nasceu numa família com certo poder aquisitivo, carro próprio, idas costumeiras ao shopping, alguns gostos classes média concedidos com sucesso.
Porém aluno de escola pública, morador de periferia, negro, está  sendo educado para não  deixar nunca o documento  em casa e não fazer movimentos bruscos (sim educar uma criança negra é também explicar racismo ). Viu  a greve pela TV, ouviu dizer que talvez os militares tomem o poder, não entende o que significa ditadura, mas sabe que não  é bom.
Estou na varanda, colocando as roupas no varal, ele me cerca, com cuidado me pergunta se eu acho se isso é realmente verdade. Se a polícia vai começar a cercar as pessoas na rua. Pergunto se ele pensa em como isso afeta ou muda a vida dele, ele diz que não  muda nada porque é uma criança. Mas que isso é ruim. Porque nos filmes, de heróis quando as pessoas malvadas tomam o poder, fica tudo ruim. Explico que não  vai ser assim, que tem a ONU, que eles não  deixam isso acontecer.  Ele não  sabe o que  significa  ONU, claro né. Então lembro de quando assistimos Pantera Negra, digo que é como quando todos os chefes das tribos se reúnem pra decidir juntos sobre uma coisa. Digo que a Onu tem chefes de todas as tribos e que eles podem se reunir, como no filme. Ele parece entender. Se distrai  com outra coisa e me deixa em paz.
Mais tarde quando a mãe dele chega em casa, ele pede ajuda para uma tarefa de arte , precisa escrever sobre um artista , Vik Muniz, a mãe  não  se interessa muito, está  cansada do trabalho, compreensível, resolvo ajudar, porque gosto  do artista e do trabalho, mostro o documentário no YouTube pelo celular, ele reclama – mais de 1 hora de filme!!!, digo que  não  precisamos ver tudo, só  as mais importantes e vou explicando, ele concorda. Começamos.
R. Fica paralisado com tudo, passa a próxima  hora atônito. Atento. Não  percebe que não  pulo nenhuma parte. Assiste tudo.  Fica primeiro assustado com as pessoas no lixo, ele não  achava que isso era mesmo possível.  Depois fica impressionado em como é possível ainda sorrir na miséria total.  Depois descobre que tudo que é  ruim, sempre piora e no final quando Tião consegue no leilão em um museu vender seu quadro, vem a redenção. O final feliz secretamente desejado pelo menino que acredita em heróis.
É  um trabalho de escola, é  para escrever sobre a arte, é para mostrar aos alunos todas as possibilidades de um artistas. Mas vai além, trás um alento pro coração, faz a gente acreditar que são  as crianças de hoje que vão nos curar e que estão apesar de, nos mostrando o quanto a vida ainda pode ser extraordinária.(créditos de Macabéa)

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